quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Fim da Revolta!

Manchete do jornal Correio da Manhã, em 27 de novembro de 1910.
Com a anistia concedida, os marinheiros resolveram devolver os navios aos oficiais e terminar com a Revolta que, apesar da repressão e da curta duração, atingia seus objetivos que era o de fazer as vozes dos marujos serem ouvidas e garantir o cumprimento de suas reivindicações para ter uma vida mais justa na Marinha, como a melhoria da comida e do soldo, a melhor distribuição das funções no navio e principalmente o fim da Chibata.

Deputado José Carlos de Carvalho
Os marinheiros negociaram através do deputado José Carlos de Carvalho, que já havia estado a bordo dos navios São Paulo e Minas Gerais para ouvir suas reivindicações e levar a carta escrita por eles. E ainda era de confiança do governo e amigo do senador Pinheiro Machado. Os marinheiros confiavam no deputado porque além dele ter sido oficial durante a Guerra do Paraguai, ele havia feito um projeto para aumentar os salários das praças da Marinha e do Exército. Mas a confiança no deputado não era plena até o fim do motim, como demonstra o radiograma feito pelos marinheiros um pouco antes da entrega dos navios: 

"Comandante José Carlos. Entraremos amanhã ao meio-dia. Agradecemos os seus bons ofícios em favor de nossa causa. Se houver qualquer falsidade o senhor sofrerá as consequências. Estamos dispostos a vender caro as nossas vidas.
Os Revoltosos."

João Cândido entrega o Minas Gerais
Mas tudo ocorreu bem, e em 26 de dezembro, a notícia do fim da Revolta circulou por toda a imprensa, revelando os rostos dos marinheiros para a população. Os corpos dos oficiais mortos durante a tomada dos navios foram transportados por  uma lancha, assim como dos marujos mortos pelos seus superiores, levando a bandeira do Brasil para o funeral.

Os repórteres invadiram os navios, entrevistaram os amotinados e seus líderes, entre eles João Cândido, que em uma foto demonstra a entrega dos navios para o capitão Pereira Leite. 

Porém, uma parte da imprensa começou a criticar o governo, dizendo que o presidente da República tinha se rendido aos marinheiros e que isso manchava a nação. O jornal O Estado de São Paulo, por exemplo, dizia em suas páginas: "...com as condições ditadas pela maruja insubordinada. O governo foi, portanto, vencido. Ou isso não é governo, ou nós é que não somos uma nação". Outros jornais publicaram charges contra o presidente Hermes da Fonseca e sua atitude.

O serviço foi retornado nos navios, como se nenhuma gota de sangue tivesse escorrido, apesar de que no fundo havia um clima de tensão entre marinheiros e oficiais. Os marinheiros tinham medo que os oficiais, agora de volta ao topo da hierarquia militar, pudessem começar uma onda de vingança contra eles. Isso não ocorreu nos conveses, mas em terra firme.




MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A anistia é concedida

Notícia do Jornal do Brasil sobre a anistia aos marinheiros

Após as reuniões dos deputados e senadores, o projeto de anistia já estava quase fechado. Mas os senadores Pinheiro Machado e Rui Barbosa protagonizaram um debate sobre a melhor forma de por em prática a anistia. Rui Barbosa achava que o projeto de anistia devia ser votado de qualquer forma, o mais rápido possível, enquanto Pinheiro Machado se recusou a votar no projeto antes dos marinheiros se renderem, pois isso traria o enfraquecimento do governo por se render aos marinheiros com os canhões voltados pra cidade. Esse debate durou toda a tarde e só terminou quando o deputado José Carlos de Carvalho zarpou para os navios para informar aos líderes da Revolta que a anistia estava sendo negociada e que eles deviam enviar uma mensagem de rendição para facilitar o acordo no Senado.

Os marinheiros concordaram com essa situação, porque já haviam conseguido expor seus problemas para a imprensa e a sociedade. Entraram em acordo para o perdão das duas partes: os marinheiros seriam perdoados pela forma como agiram para serem ouvidos, e o governo seria perdoados por eles e teriam que se comprometer a discutir e resolver as péssimas condições de serviço na Marinha. Então enviaram um radiograma para o presidente informando da decisão:

Marinheiros do encouraçado Bahia
"Exmo. Sr. marechal Hermes da Fonseca, presidente da República - Arrependidos do ato que praticamos em nossa defesa, por amor da ordem, da justiça e da liberdade, depomos as armas, confiando que nos seja concedida anistia pelo Congresso Nacional, abolindo como manda a lei o castigo corporal, aumentando o ordenado e o pessoal, não importa, para que o serviço de bordo possa ser feito sem o nosso sacrifício. Ficamos a bordo obedientes às ordens de V. Ex. em quem muito confiamos - Os Reclamantes."

Os marinheiros então resolveram aguardar o resultado do debate sobre a anistia, para que pudessem preparar os navios para serem entregues aos oficiais e saber de suas condições.
Eis o texto da anistia:


Os marinheiros aguardaram a anistia sair no Diário Oficial, para ter a certeza que iam ser respeitados em suas medidas, e garantias de nenhuma punição para eles e que pudessem continuar na Marinha, mas de agora de uma forma mais digna.




MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.

domingo, 24 de outubro de 2010

As negociações

Encouraçado São Paulo

Durante a Revolta, as negociações começaram a acontecer. O governo se articulava para qual atitude ia tomar: bombardear os navios ou conceder anistia para os marinheiros. O governo optou por não atacar os marinheiros, o que desagradou os oficiais da Marinha, que viam na quebra da hierarquia feita pelos revoltosos algo de muito perigoso para a instituição, abrindo um precedente. Mas é preciso lembrar que dois encouraçados, o Minas Gerais e o São Paulo e o scout Bahia eram novos, recém-chegados da Inglaterra, onde foram construídos para o "Projeto de Reaparelhamento Naval", plano de modernização da Esquadra brasileira aprovado 1904, e que não seria muito bom destruir esses navios.

Alguns políticos manifestaram-se a favor da anistia, entre eles o senador Rui Barbosa, que apesar de contrário ao motim porque acreditava que a autoridade militar estava sendo ameaçada, apresentou um projeto de anistia a pedido de um grupo de senadores. Com um discurso longo explicando as condições do país sob a mira dos mais modernos e poderosos canhões do mundo, Rui Barbosa fala para os senadores sobre as opções que restam:

Senador Rui Barbosa
"Ou o governo da República dispõe dos meios cabais e decisivos para debelar esse lamentável movimento, e então justo seria que os empregasse para restituir imediatamente a tranquilidade ao país; ou desses meios não dispõe o Governo da República e, em tal caso, o que a prudência, a dignidade e o bom senso lhe aconselham é a submissão às circunstâncias do momento."

Em outro trecho de seu discurso, Rui Barbosa fala sobre a importância dos marinheiros e suas motivações para a revolta:

"O que constitui as forças das máquinas de guerra não é a sua mole, não é a sua grandeza, não são os aparelhos de destruição - é a alma do homem que as ocupa, que as maneja, e as arremessa contra o inimigo. As almas dessas máquinas que povoam os nossos grandes dreadnoughts, hoje, em nossa baía, sejamos justos ainda para com esses infelizes no momento de seu crime, as almas desses homens têm revelado virtudes que só honram a nossa gente e a nossa raça.
[...]
Extinguimos a escravidão sobre a raça negra, mantemos, porém, a escravidão da raça branca no Exército e na Armada, entre os servidores da pátria, cujas condições tão simpáticas são a todos os brasileiros. Era necessário que não se continuasse a esquecer que o marinheiro e o soldado são homens."

O auditório do senado, formado pelos outros senadores, vibrou com o discurso do senador Rui Barbosa, sendo aplaudido calorosamente.



MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.

domingo, 17 de outubro de 2010

As reivindicações da marujada

Carta do marinheiros para o presidente.
Após tomarem os navios, os marinheiros apontaram os canhões para o Rio de Janeiro e efetuaram disparos de alerta. Os estrondos chegaram ao Clube da Tijuca, onde estava tendo a apresentação de uma ópera do compositor alemão Wagner para comemorar a posse do presidente Hermes da Fonseca, eleito uma semana antes, onde ele estava presente com todo seu ministério. Houve pânico em toda a cidade, vidraças foram estilhaçadas com o estrondo dos disparos, as pessoas fugiam para o subúrbio para poder ficar mais longe do mar com medo dos disparos. Era o caos total.

Presidente Hermes da Fonseca
Os marinheiros redigiram uma carta para o presidente, e nela consta reivindicações sobre o papel dos marinheiros para a melhoria de suas condições de vida, além do fim da chibata e do "bolo", um outro tipo de castigo físico. O verdadeiro redator da carta continua um mistério, mas alguns pesquisadores atribuem a autoria ao marinheiro Francisco Dias Martins, outros ao Adalberto Ferreira Ribas. Estes dois eram dos poucos marinheiros que sabiam ler e escrever. A existência dessa carta ficou desconhecida da população na época, somente as autoridades ficaram sabendo dela, e foi revelada anos mais tarde.

Leia e analise o texto da carta dos marinheiros:


"Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1910


Il.mo e Ex.mo Sr. Presidente da República Brasileira
Cumpre-nos comunicar a V. Ex.a, como Chefe da Nação brasileira: 
Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá; e até então não nos chegou; rompemos o negro véu que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo.




Achando-se todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os oficiais, os quais têm sido os causadores da Marinha brasileira não ser grandiosa, porque durante vinte anos de República ainda não foi bastante para tratar-nos como cidadãos fardados em defesa da Pátria, mandamos esta honrada mensagem para que V. Ex. a faça aos marinheiros brasileiros possuirmos os direitos sagrados que as leis da República nos facilita, acabando com a desordem e nos dando outros gozos que venham engrandecer a Marinha brasileira; bem assim como: retirar os oficiais incompetentes e indignos de servir à Nação brasileira. Reformar o código imoral e vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo e outros castigos semelhantes; aumentar o nosso soldo pelos últimos planos do ilustre Senador José Carlos de Carvalho, educar os marinheiros que não têm competência para vestir a orgulhosa farda, mandar pôr em vigor a tabela de serviço diário, que a acompanha.






Tem V. Ex.a o prazo de 12 horas para mandar-nos a resposta satisfatória, sob pena de ver a Pátria aniquilada.



Bordo do encouraçado São Paulo, em 22 de novembro de 1910.

Nota: Não poderá ser interrompida a ida e volta do mensageiro.
Marinheiros."

MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.

O Estouro da Revolta

Encouraçado Minas Gerais

Em 22 de novembro de 1910, os marinheiros dos navios Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Deodoro se revoltaram contra seus comandantes, por questões de castigos corporais e falta de estrutura para trabalhar, como alimentação ruim, horários de trabalho pesados e a falta de treinamento para os novos navios comprados recentemente da Inglaterra. João Cândido, o líder dos revoltosos, assumiu o comando do encouraçado Minas Gerais, e os navios participantes da Revolta apontaram seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro, que na época era a capital federal. A Revolta dos Marinheiros já estava sendo preparada há alguns meses, ainda na Inglaterra enquanto esperavam a conclusão da fabricação dos navios, mas o castigo de 250 chibatadas dado ao marinheiro Marcelino Rodrigues no dia anterior por ele ter levado uma garrafa de cachaça a bordo adiantou o levante e eles tiveram apenas um dia para orquestrar os pontos decisivos do confronto.

Veja o relato de João Cândido sobre esse momento:
Marinheiro João Cândido

"Pensamos no dia 15 de novembro. Acontece que caiu forte temporal sobre a parada militar e o desfile naval. A marujada ficou cansada e muitos rapazes tiveram permissão para ir à terra. Ficou combinado, então, que a Revolta seria entre 24 e 25. Mas o castigo de 250 chibatadas no Marcelino Rodrigues precipitou tudo. O comitê resolveu, por unanimidade, deflagrar o movimento no dia 22. O sinal seria a chamada da corneta das 22 horas. O Minas Gerais, por exemplo, por ser muito grande, tinha todos os toques repetidos na proa e popa. Naquela noite o clarim não pediria silêncio e sim combate. Cada um assumiu o seu posto e os oficiais de há muito já estavam presos em seus camarotes. Não houve afobação. Cada canhão ficou guarnecido por cinco marujos, com ordem de atirar para matar contra todo aquele que tentasse impedir o levante.

Às 22h50min, quando cessou a luta no convés, mandei disparar um tiro de canhão, sinal combinado para chamar à fala os navios comprometidos. Quem primeiro respondeu foi o São Paulo, seguido do Bahia. O Deodoro, a princípio, ficou mudo. Ordenei que todos os holofotes iluminassem o Arsenal da Marinha, as praias e as fortalezas. Expedi um rádio para o Catete, informando que a Esquadra estava levantada para acabar com os castigos corporais.

Os mortos, na luta, foram guardados numa improvisada câmara mortuária e, no outro dia, manhã cedo, enviei os cadáveres para terra.

O resto foi rotina de um navio de guerra."



MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.