terça-feira, 2 de novembro de 2010

Tensão, traição e expulsão

Marinheiros do encouraçado São Paulo
Após a anistia ser concedida e o trabalho voltar ao normal nos navios (apesar do clima de desconfiança entre marujos e oficiais). Mas a pressão de alguns setores da sociedade e da imprensa, que publicava charges e notícias sobre a "rendição" do governo para marinheiros começou a incomodar o presidente Hermes da Fonseca e o ministro da Marinha Joaquim Marques Batista de Leão. Nos primeiros dias após a Revolta dos Marinheiros, ele começou a articular mudanças na Marinha. A primeira decisão do ministro foi, ainda no dia 27 de novembro, ordenar o desarme dos canhões dos navios que se rebelaram. Isso fazia com que os marinheiros não pudessem mais ameaçar o país para exigir qualquer coisa. 

Mas no dia seguinte, a publicação do decreto nº 8.400 aumentou o pânico entre os marujos:

"Atendendo ao que lhe expôs o Ministro de Estado dos Negócios da Marinha, resolve autorizar a baixa, por exclusão, dos praças do Corpo de Marinheiros Nacionais, cuja permanência se torna inconveniente à disciplina; dispensando-se a formalidade exigida pelo artigo 150 do Regulamento anexo ao decreto nº 7.124, de 24 de setembro de 1908, e revogando-se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1910. 89º da Independência e 22º da República. Hermes Rodrigues da Fonseca - Joaquim Marques de Leão."

Charge de Hermes da Fonseca assinando a anistia
Isso atingiu diversos marinheiros, a ponto que os navios ficaram sem  pessoal para manutenção. Foi preciso recrutar portugueses em vários pontos da cidade até que os novos marujos, vindo das Escolas de Aprendizes da Marinha pudessem assumir seus postos. Até 31 de dezembro daquele ano, 1216 praças foram atingidos por esse decreto de expulsão. Eles não foram expulsos de uma vez, porque isso chamaria muito a atenção para a quebra da anistia feita pelo governo. Então, enquanto centenas de marinheiros anônimos começavam a sair da Marinha de Guerra, outros de maior destaque na imprensa e entre os colegas, como João Cândido, Francisco Dias Martins e Gregório do Nascimento, continuaram a frequentar os conveses do Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro.

A Revolta fora uma alta insubordinação, a quebra do principal alicerce do militarismo: o respeito e a sujeição à hierarquia militar. Os militares estavam com receio daqueles marujos que já não iam mais aceitar os castigos como forma de punição. Esse decreto foi criado para retirar da Marinha de Guerra os marinheiros que se tornaram conscientes da sua posição na relação com seus superiores hierárquicos, das condições materiais de trabalho e do poder que tinham quando se organizavam. Na visão dos oficiais, retirar esses indivíduos dos conveses e quartéis era fundamental para a vigência da hierarquia militar.

Sem armamentos para reagir à nova lei, os excluídos começara a arrumar seus sacos de marinheiros e a abandonar os navios e quartéis da Marinha de Guerra... mas seus destinos ainda não estavam totalmente definidos.



MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata: subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Cândido em 1910. 5ª edição comemorativa do centenário da Revolta da Chibata, organizada por Marco Morel. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad X : FAPERJ, 2008.

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